Legislativo capixaba ganha força com a República

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Novas relações de poder no âmbito estadual se destacam na primeira República

 

As disputas entre grupos políticos e os acordos entre os Poderes Executivo e Legislativo pontuaram o início do período republicano, que teve três Constituições estaduais em três anos e foi caracterizado pelo início do processo de urbanização de Vitória com o projeto Novo Arrabalde, o primeiro planejamento urbano da capital do Espírito Santo destinado a ampliar a área territorial e modernizar suas instalações.

O Parlamento capixaba e o Espírito Santo ganharam maior importância a partir da Proclamação da República. Dissolvido em novembro de 1889, quando o Espírito Santo ainda era uma província, o Legislativo voltaria às suas atividades já sob a nova forma de governo, em 1891, e sob uma nova Constituição Federal. A Casa passou a ser denominada Congresso Representativo e as províncias transformaram-se em estados, com autonomia política, administrativa, orçamentária e fiscal, reafirmando a identidade regional construída durante o século 19.

Fatos históricos marcaram profundamente o país no final do século 19, especialmente a abolição da escravatura, a queda do sistema monárquico e a intensificação da imigração europeia. No Espírito Santo, por exemplo, o sul sofreu com a ausência da mão de obra escrava nas plantações de café. Outra singularidade desse período foi a transitoriedade política no país, que traria reflexos diretos para o poder no estado capixaba.

Governo provisório

O marechal Manoel Deodoro da Fonseca governou o Brasil provisoriamente de novembro de 1889 até fevereiro de 1891 e, em seguida, foi eleito indiretamente presidente pela Assembleia Geral do Congresso Nacional para cumprir mandato até 1894. Já no Espírito Santo, o primeiro chefe do Executivo na República foi Afonso Cláudio de Freitas Rosa, escolhido também provisoriamente até a elaboração da nova Carta. Afonso Cláudio, nomeado em fevereiro, afastou-se do cargo por doença a 9 de setembro de 1890.

Em novembro do mesmo ano, o substituto de Afonso Cláudio, terceiro vice-governador Constante Gomes Sodré, decretou uma Constituição provisória, que trazia a convocação de eleições e a instalação do primeiro Congresso Constituinte do Estado para o ano seguinte.

O Congresso Representativo, formado em sua maioria pelo partido conservador União Republicana Espírito-Santense, promulgou a segunda Constituição em junho de 1891. A Carta capixaba contemplava os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, princípios liberais constantes na Constituição Federal.

Manuscrito em preto e branco do projeto de Constituição de 1891

Para o Executivo, indiretamente foi eleito o primeiro governador constitucional, Alpheu Adelpho Monjardim de Andrade e Almeida, o Barão de Monjardim, sucedendo a Antonio Aguirre, que estava no poder desde março de 1891 e completava o mandato provisório iniciado por Afonso Cláudio, em 1890. Barão de Monjardim e seu vice governaram de junho a dezembro de 1891.

O governo de Barão de Monjardim, cujo mandato iria até 1894, foi interrompido em função da primeira crise enfrentada pelo país no período republicano. O governador do ES apoiava o presidente Deodoro, que foi levado a renunciar em 1891 após uma administração conturbada, marcada por tensões políticas, forte recessão especulativa, quebra de empresas e crise com o Congresso, que chegou a ser fechado.

Na manhã de 19 de dezembro de 1891, três semanas após a queda de Deodoro, foi distribuído na capital capixaba um convite elaborado pelos republicanos ligados ao Partido Republicano Construtor:

“Convida-se aos republicanos e em geral ao povo espírito-santense para uma demonstração de sinceridade republicana, um grande meeting de protesto contra o sebastianismo renitente e ousado que já se atreve a conspirar na capital federal e nos Estados. Esse meeting de alevantado patriotismo realiza-se às [?] horas da manhã, em frente ao palacete do Dr. Muniz Freire. Vitória, dezenove de dezembro de 1891.”

Muniz Freire liderou, portanto, a queda do governador Barão de Monjardim, deposto “pela soberania popular”. Com o golpe, constituiu-se uma Junta Governativa provisória. Em maio de 1892, Muniz Freire foi eleito presidente pelo Congresso Legislativo, na vigência da terceira Constituição estadual, que estabeleceu o mandato parlamentar em três anos.

A segunda Constituição estadual foi revogada em fevereiro de 1892 pela Junta Governativa. O Partido Republicano Construtor formou a bancada majoritária no então nomeado Congresso Legislativo, promulgou a terceira Constituição em maio daquele ano e elegeu Muniz Freire presidente do Estado (nomenclatura que substituiu a de governador). Quem nos conta essa história é o professor de História do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Cariacica, Leandro Quintão.

Muniz Freire é apontado por historiadores como um dos três governantes que se destacaram no período chamado Primeira República (1889-1930), os outros são Jerônimo Monteiro e Florentino Avidos. Em suas gestões (1892-1896 e 1900-1904), Muniz Freire deu início ao megaprojeto de reurbanização da capital, incluindo drenagem, saneamento e aterro de áreas alagadas e de manguezais. Esse projeto, aprovado pelos parlamentares capixabas, foi chamado de Novo Arrabalde e aumentou o território urbano da ilha de Vitória em seis vezes.

Juntos, Muniz Freire e Cleto Nunes, presidente do Congresso Legislativo, garantiram também a aprovação de outros projetos importantes, como a construção da estrada de ferro, a modernização portuária de Vitória, a vinda de imigrantes e a centralização econômica na capital capixaba.

Novo Arrabalde

O projeto Novo Arrabalde foi elaborado pelo engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, presidente da Comissão de Melhoramentos da Capital. Saturnino de Brito argumentava que o Novo Arrabalde forneceria à capital um terreno saneado para se desenvolver com higiene e “predicados estéticos das cidades modernas”, como justificou o engenheiro na apresentação do projeto detalhado em 73 páginas, em 1896.

Duas imagens sobre a área de Vitória alvo do Novo Arrabalde, uma colorida e outra em preto e branco

A iniciativa da urbanização de áreas de mangues e alagados teve apoio do deputado estadual Cleto Nunes Pereira, então procurador da Companhia Braziliense Torrens, futura executora de tais obras urbanas.

Com Muniz Freire, correligionário no Partido Republicano Construtor, Cleto Nunes havia fundado, em 1882, o jornal “A Província do Espírito Santo”, veículo divulgador das ideias abolicionistas e republicanas. Cleto Nunes presidiu a Casa de Leis de 1892 a 1893. O projeto recebeu críticas do jornal de oposição “O Commercio do Espírito Santo”, que defendia, por sua vez, reformas urbanas na Vila do Espírito Santo, hoje Vila Velha.

O Novo Arrabalde foi o primeiro planejamento urbano implementado na capital capixaba, com a ocupação do nordeste da ilha, envolvendo Praia do Canto, Praia do Suá, Praia de Santa Helena, Santa Lúcia, Bento Ferreira e Jucutuquara. O território urbano da ilha seria sextuplicado, segundo os cálculos de seus defensores.

De 1890 a 1891, Muniz Freire teve total apoio do Congresso Legislativo. A Casa, em sua maioria, aprovava com entusiasmo as iniciativas do Executivo, considerando-as propostas inovadoras para a capital, como menciona Quintão.

Apesar da boa relação, os deputados rechaçaram a ideia de reeleição de Muniz Freire – projeto nesse sentido já havia sido aprovado no Rio Grande do Sul. De acordo com o professor do Ifes, esse movimento contra um novo mandato fez com que Muniz Freire voltasse ao governo quatro anos depois para dar prosseguimento ao seu projeto.

Muniz Freire enfrentou não só o descontentamento de Vila Velha, por causa do Novo Arrabalde, como também de Cachoeiro de Itapemirim, que não desejava que fosse construída a ferrovia ligando Vitória a Cariacica, Domingos Martins e Vargem Alta. Essa ferrovia tinha a função de trazer o café produzido no sul para o porto de Vitória e ser exportado.

“Você vê que está tudo interligado? Transformação de Vitória em praça comercial, Novo Arrabalde, porto, ferrovia. Cachoeiro não quer comunicação com Vitória, mas com o Rio de Janeiro. Porque tinha o tal do café capixaba, que era do tipo 7, inferior, e era muito malvisto, então, Cachoeiro queria exportar pelo Rio de Janeiro, sem pegar a fama de café capixaba.  Na crise, a economia que mais sofre impacto é a do café de qualidade (e não o inferior)”, explica Leandro Quintão.

O Novo Arrabalde previa a modernização do Porto de Vitória, até então uma simples instalação precária de madeira, cuja estrutura permitia à época receber apenas pequenas embarcações. Entretanto, somente no governo de Florentino Avidos (1924-1928), o Porto de Vitória recebe armazéns, guindastes, pontes rolantes, linha férrea e embarcações de maior porte, sendo mais bem estruturada na década de 1940.

Aumento da imigração

A imigração de trabalhadores estrangeiros também pautou o Congresso Legislativo capixaba, desde as primeiras levas de europeus que aqui chegaram, em meados do século 19. Em uma sessão, o deputado Germano Chaves Tiradentes, propôs a vinda de imigrantes chineses, alegando que os europeus não aceitavam ser assalariados rurais ou parceiros, mas queriam ser proprietários das terras.

“Os italianos querem ser donos, não parceiros. (…) O europeu não se submete a salários, mas a imigração asiática se submete”. Germano Tiradentes continuou sua defesa, fazendo uso das palavras do ministro dos Estrangeiros. “Ainda com quebra dos nossos sentimentos de nacionalidade (…) por introduzirmos esses elementos de raça inferior aceitemos essa medida como uma necessidade: é o meio de termos trabalhadores”, pontuou o deputado na ocasião, segundo a professora Terezinha Tristão Bichara, na obra “História do Poder Legislativo do Espírito Santo – 1835-1889”.

Foto amarela, em preto e branco, o mar e ao fundo, em um monte, uma construção

A proposta de Germano teve repercussão negativa na capital federal, sendo combatida principalmente por Visconde de Taunay. Os asiáticos eram considerados “raça inferior”, mas foram aceitos pelas necessidades de mão de obra logo após a abolição da escravatura. Mas os chineses não vieram. No início do século 20, chegaram os asiáticos – os japoneses –, especialmente nos Estados de São Paulo, Mato Grosso e Paraná, contribuindo para a diversidade cultural do país.

Por fim, a 21 de novembro daquele ano, a Lei 31 concedeu autorização para que o presidente do Estado despendesse 25 contos de réis com propaganda, na Europa, em benefício da imigração para terras capixabas.

Teatro Melpômene

Além dos projetos estruturais, Muniz Freire tinha preocupação com a cultura e isso era herança de família. Seu pai, Manoel Feliciano, esteve envolvido, até sua morte em 1872, com a Sociedade Dramática Particular Melpômene (a musa da tragédia grega), voltada para a apresentação teatral. Muniz Freire externava sua preocupação com a falta de equipamentos culturais na capital do estado.

Já em 1872, a Assembleia Legislativa Provincial havia autorizado um empréstimo de 6 mil contos de réis a essa sociedade cultural para a construção “de uma casa de espetáculo com sessenta palmos de frente e cem de cumprimento (…)”. O teatro não foi construído. E em 1893, o Legislativo aprovou lei que autorizava a construção da casa de cultura.

Foto amarela em preto e branco com prédio de dois pavimentos em madeira e pessoas em frente a ele

Inaugurado a 1º de maio de 1896, no final do governo de Muniz Freire, o Teatro Melpômene utilizava geradores próprios para sua iluminação com lâmpadas incandescentes, introduzindo a energia elétrica na cidade, como conta o pesquisador Gabriel Bittencourt no livro “A indústria de Energia Elétrica, 1889/1978”.

O teatro situava-se no local onde foi o Hotel Império, depois o Europa e hoje o Centro Cultural Triplex Vermelho, na Praça Costa Pereira. Tinha capacidade para 1.200 espectadores e era todo de pinho de Riga, madeira de lei trazida da Suécia. Em 1924, um princípio de incêndio destruiu a sala de projeção cinematográfica. Algum tempo depois, dado o seu pouco uso, o teatro foi derrubado e a estrutura de ferro fundido serviu para a construção de outro teatro, o Carlos Gomes, inaugurado em 1927.

A segunda parte dessa matéria será publicada na próxima semana e vai falar sobre a consolidação do projeto de modernização de Vitória, os embates entre os grupos políticos no Espírito Santo e os impactos, no estado, do fim da Primeira República e início da era Vargas. 

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Para a elaboração desta série de cinco matérias sobre os 190 anos da Assembleia Legislativa do ES foram realizadas entrevistas com especialistas e pesquisas jornalísticas no Arquivo Geral Renato Pacheco e Biblioteca João Calmon, ambos da Ales, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Instituto Jones dos Santos Neves, Biblioteca Pública Estadual, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV RIO), além de consultas a artigos científicos, dissertações, teses e livros publicados.


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