Pintou o “7”

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Na metade da década de 1990, estávamos em um ótimo momento de nossa atividade profissional. A Polícia Interativa fora incluída no 1º Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH e Guaçuí (ES) entrava no circuito de inovação na área da ordem pública.

“O Espírito Santo que não aparece nem no boletim do tempo, agora virou destaque do Fantástico com a Polícia Interativa”, brincava a escritora Marzia Figueira, em uma de suas crônicas, à época.

Assim, o país convergia para a pequena cidadela capixaba. Até o ministro da Justiça, Nelson Azevedo Jobim visitou a cidade e pronunciou a histórica frase no seminário nacional sobre interatividade social: “vocês capixabas, em Guaçuí, mudaram a mão de direção da Polícia brasileira”.

Inacreditáveis dias!

Desse modo, começamos em fluxo crescente, a receber dezenas de pesquisadores, autoridades políticas, militares, policiais e lideranças da sociedade civil, em visita de turismo técnico.

A primeira das comitivas governamentais a conhecer Guaçuí, foi a da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará. Os paraenses voltaram para o norte do país, entusiasmados com o que viram, e logo, nos convidaram para treinar policiais militares e civis em Belém.

Nesse vai e vem eis que surge uma grande caravana. Um ônibus do governo do Pará, cortara do norte ao sudeste, o imenso território, trazendo para Guaçuí, 30 líderes comunitários, a fim de que fossem habilitados no Método Interativo de Segurança Cidadã, o MISC®. Eram todos amazônidas belenenses. (COSTA, FERNANDES, 2012)

A vinda dos líderes comunitários ao Espírito Santo inaugurou uma outra fase na estratégia de expansão do modelo interativo.

Desse modo, a convite, voamos para a “Cidade das Mangueiras”. Ao desembarcarmos em Belém, em uma chuvosa madrugada, fomos recebidos com uma desagradável notícia.

Nem tudo eram flores!

Uma educada assessora do governo paraense recebera a difícil missão de nos informar que o Comando da Polícia Militar, em desacordo à sugestão da Secretaria de Segurança Pública, não disponibilizaria o espaço, nem tampouco, o público para nos ouvir. Haviam resistências!

Diante desse quadro, fugiu-nos o sono no restante daquela madrugada.  Da janela do hotel víamos um céu nublado cobrindo a Baía do Guajará.

Amanhecido o dia, o jogo virou!

No café da manhã, o Secretário de Justiça e Segurança Pública contara tudo ao governador. A contraordem veio do Palácio e a Polícia nos receberia, a contragosto, no Umarizal.

“O capitão vai falar para os nossos comandantes”, anunciou, o habilidoso Secretário. Estava assim, vencida a primeira etapa, porém, restavam outras.

Do outro lado, na Academia da Polícia Civil, em Ananindeua, na Região metropolitana de Belém, também teríamos enfrentamentos, agora com uma turma composta pelos “seniores” das Corporações.

Na sala de aula, um dos Delegados, como se fosse um tipo de “boas vindas”, mantinha a sua pistola ostensivamente na cintura. Lembro-me então de, no intervalo da primeira aula, ter pedido e recebido da Diretora da Escola, um colete à prova de balas com o qual, “didática e ironicamente”, ministrei a segunda aula.

O choque foi na medida. Passados os dias, os “alunos” davam sinais de simpatia ao novo ideário que lhes era ensinado.

Assim, com o tempo voltaríamos inúmeras vezes a Belém, nem sempre para ensinar, mas para aprender sobre a integração do ensino policial, das zonas de policiamento e das comunicações conjuntas.

No Brasil, pouco se fala sobre esse marco paraense, mas a reforma da Polícia, levada a efeito pelo saudoso Paulo Celso Pinheiro Sette Câmara, está entre os grandes feitos da evolução do sistema policial.

Poderíamos concluir em homenagem ao sorriso sincero de um gestor à frente de seu tempo, dizendo em forma de trocadilho que o Sette pintou o “7”, entrando para história, justa e benignamente.

Vitória – ES, 28 de março de 2023.

Júlio Cezar Costa é coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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