O prefeito confessou…

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Era uma manhã de quinta-feira, dia 02 de junho de 1994, com o inverno chegando, Guaçuí (ES) estava gélida, refletindo a sua proximidade das montanhas que formam o maciço do “Pico da Bandeira”, o terceiro maior do Brasil, no topo do Caparaó.

Era o nosso primeiro dia de trabalho como novo comandante da 2ª Companhia do 3º BPM. A primeira audiência seria com o prefeito da cidade.

Ao adentrarmos ao gabinete, destacavam-se duas fotografias na parede principal: a primeira da então deputada federal, Rita Camata e a outra da Família Imperial brasileira.

O prefeito era monarquista e municipalista convicto.

“Capitão, é um prazer tê-lo conosco em Guaçuí. Seja bem-vindo”, disse-nos o educado Alcaide.

O momento seguinte foi de verbalização de nossa proposta de trabalho em pretensa parceria com a municipalidade.

Então, veio-nos a inesperada resposta: “capitão, não há como fazermos parceria, pois a sua Polícia é muito violenta. É a Polícia do cala-boca e do pescoção”, asseverou.

Por alguns segundos nossa mente liquidificou. Será que em vez de um parceiro, o que teríamos seria um opositor? Seria o fim logo no começo?

Naquele tempo, a PMES estava em estado deplorável e a tropa não recebia salários há três meses. Não existia nada para resgatar o moral dos nossos comandados, senão mostrar o valor e a resiliência dos mesmos, ainda que com uniformes rotos e puídos.

Eu e o prefeito tínhamos um ponto em comum. Éramos amigos do coronel Carlos Magno da Paz Nogueira. Esse seria o nosso elo de ligação.

Assim, como leitor do maior “best seller” do mundo – a Bíblia -, lembrei do conselho de que “é melhor o fim das coisas do que o começo delas“.  (BÍBLIA SAGRADA). Dias depois, na semana seguinte, solicitamos nova audiência com o prefeito. Era preciso reverter a negativa resposta sobre a parceria desejada.

Assim, voltamos ao Paço de São Miguel e apresentamos a nossa monografia sobre o Policiamento Ostensivo Produtivo-Comunitário – POP-Com, naquele momento apenas uma teoria sobre a comunitarização da ordem pública.

Deu certo! Estava desfeita a negativa. O gestor do município gostou do que vira e taxativamente nos disse: “vai em frente capitão. A Prefeitura vai apoiar esse projeto”.

Saímos em campo e fomos visitar o juiz de Direito, o promotor de Justiça, o delegado de Polícia, o diretor da Rádio FM, algumas lideranças da sociedade civil e o vice-presidente da Câmara Municipal. A maratona interativa começava.

Elaboramos um calendário de ações e partimos para o convencimento do público interno e externo. Houve, desde o início, a compreensão e adesão da enorme maioria dos colaboradores para a extinção, pelo menos em Guaçuí, da justa percepção de que no Brasil existe uma polícia forte para os fracos e fraca para os fortes.

Passaram-se cinco meses e Guaçuí tornou-se notícia, através da incrível reportagem em “A Gazeta”, cujo título era: “comunidades e Polícia se unem no Sul”.

O prefeito designado internamente por alguns como “comunista”, “esquerdista”, “socialista” e “subversivo”, na verdade era um social democrata, que empenhara a sua palavra, editando várias leis e decretos que dariam completo suporte financeiro e material ao novo fazer da PMES em Guaçuí.

Assim, a parceria com a Prefeitura era a mola mestra da engrenagem interativa e um exemplo a ser seguido por outros municípios.

Oito meses se passaram até Guaçuí alcançar o reconhecimento da mídia nacional. A “Veja”, a “Globo”, a “Carta Capital”, a “Folha de São Paulo”, o “Estadão”, a “Época”, o “Correio Braziliense” e o “Globo” deram destaque ao novo modelo de segurança cidadã, a inovadora Polícia Interativa.

Deste modo, Guaçuí partiu para os palcos do Brasil, levando a sua história de superação e ousadia, protagonizada por homens e mulheres que faziam a diferença, mesmo sendo iguais a tantos outros.

Enfim, o prefeito Luiz Ferraz Moulin mudou de opinião sobre a Polícia Militar e confessou ao “Programa Fantástico”: “hoje temos uma Polícia cidadã que nos orgulha muitíssimo”.

Sócrates estava certo. As percepções também mudam!

Júlio Cezar Costa é coronel da PMES, associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Idealizador Nacional da Polícia Interativa

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