Jorge, o Líder!
O movimento social da ordem pública no Espírito Santo surge com o advento da criação, em Guaçuí, do Método Interativo de Segurança Cidadã (MISC®), em 1994.
Entre os que se utilizaram do MISC® para modelar a comunitarização da ordem pública, destacaram-se dois nomes: o campeoníssimo coronel Jailson Miranda e o coronel Pedro Delfino, figura ímpar na idealização do Propas.
Na noite de 26 de novembro de 2001, no auditório do Quartel do Comando Geral – QCG, em Vitória (ES), articulado pelo coronel Jailson Miranda, à época, ainda capitão, aconteceu o 1º Encontro de Lideranças comunitárias da Região da Grande Vitória, ao todo, reunindo 221 aguerridos líderes, servindo como embrião do democrático “Congresso das Comunidades” em 2002, que congregou em um único dia, 1.167 lideranças de todo o Estado, no Teatro Central da UFES.
Naquele momento, a Polícia Militar havia adotado um sistema de parametrização para adequar a proliferação dos Conselhos Interativos de Segurança Pública. Tudo muito bem aferido e inédito no Brasil.
Sob a direção do inteligente, então major, hoje coronel Ênio Chaves dos Reis, a Comissão de Certificação dos Conselhos Interativos percorreu todo o Estado e fez um belíssimo e homogêneo trabalho de crescimento institucionalizado da “Polícia Interativa”.
O Espírito Santo já, à época, era destaque referencial na replicação do Método Interativo, recepcionando em parceria com a UFES e o Instituto Jones dos Santos Neves – IJSN, dezenas de policiais civis, militares e de lideranças civis de outros estados, que entre nós aprenderam o MISC®, expandindo-o, Brasil a fora.
O modelo capixaba de comunitarização estava consolidado, tornando-se política institucional e governamental.
Era um tempo em que não mais ocorriam fugas de presos, “assaltos” a bancos e os perturbadores sequestros relâmpagos. Com a Polícia Interativa e o Propas, induvidosamente tínhamos alcançado o controle da criminalidade, rumando para a continuidade da inflexão negativa dos indicadores criminais, principalmente o de homicídios.
Assim, apegando-se, figurativamente à “lei de Boyle-Mariotte”, atingíamos outro patamar na organização do até então carente sistema de segurança pública.
A participação popular chegara ao topo, conforme previa o parágrafo único do artigo 124 da Constituição do Estado do Espírito Santo: “Fica assegurado, na forma da lei, o caráter democrático na formulação da política e no controle das ações de segurança pública do Estado, com a participação da sociedade civil”.
Retornando ao 1º Encontro das Comunidades no Quartel do Comando da Polícia Militar – QCG da PMES, quando palestrávamos sobre o modelo interativo de parceria decisória com a sociedade civil, uma voz irrompeu nos fazendo ficar silente, diante do manifesto protesto.
Ouviu-se no auditório lotado, quando um inconformado líder disse: “nós da sociedade entendemos mesmo é de insegurança pública”.
Continuou aquele senhor: “na teoria tudo funciona, quero ver vocês lá dentro da comunidade para nos dar segurança”.
Acabada a fala intempestiva, mas pertinente, calmamente respondi diretamente àquele cidadão grisalho e de óculos saliente no rosto: “Vamos marcar uma reunião na sua comunidade. O senhor pode agendar comigo agora.”
Então veio a pronta resposta em tom de descrédito: “dia 30 de dezembro de 2001, às 17h na avenida Buenos Aires, no Araçás”.
Assim, terminado o Encontro, desconfortável, rapidamente nos dirigimos ao nosso questionador e o cumprimentamos pela “ousadia” de interpor-se à nossa fala. Ele foi irônico!
Passados 34 dias, debaixo de uma forte chuva e com o bairro do Araçás com ruas alagadas, uma van do governo do Estado estacionou em frente ao endereço citado na ocasião do Encontro, e, pontualmente, de terno e gravata, com toda a equipe do Propas, com guarda-chuva e sombrinhas, tocamos a campainha, quando alguém de dentro da casa de telhado, perguntou: “quem é?”
Para a surpresa do Líder do Conselho Interativo de Segurança Pública da Grande Araçás – CISPGAR, em Vila Velha (ES), pois ele, sequer lembrava da provocação que houvera feito, estávamos lá naquele penúltimo dia do ano para ouvirmos as suas demandas comunitárias.
Assim, Jorge Pries, o líder, tornou-se em um entusiasta da Polícia Interativa, além de passar a ser nosso amigo, sedimentando a antiga máxima maquiavélica de que: “o povo conspira com quem o protege”.
Adiante, em 2010, em uma palestra, quando citei essa história, no auditório da Universidade Vila Velha, um jovem soldado da PMES se pronunciou respeitosa e vividamente: “Sr. coronel, eu conheço essa história. Jorge Pries é meu pai”.
Por fim, entendemos na prática que não bastam as promessas, mas se queremos ter credibilidade, é preciso que elas se cumpram no cotidiano da sociedade, através da efetividade de nosso trabalho.
Vitória – ES, 20 de março de 2023.