Do luto à luta: a jornada inspiradora de uma médica intensivista

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Você vai conhecer a história de Eliana Caser e como uma perda pessoal guiou a profissional a seguir sua verdadeira vocação

No mundo da medicina, a história de Eliana Caser é motivação. É inspiração. Antes mesmo de se tornar uma renomada médica intensivista, ainda na época do ‘cursinho’, sonhava em se tornar engenheira. Porém, um evento mudou o curso da vida de Eliana e a direcionou para sua verdadeira paixão: cuidar do outro.

O divisor de águas que transformou sua vida foi a morte repentina de sua mãe em 1977 devido a uma doença grave. Um evento doloroso que a levou a repensar sua trajetória profissional.

“Eu sonhava ser engenheira. Minha família toda tem uma forte ligação com a área de exatas. Acho que a mudança aconteceu devido a uma história de vida relacionada a minha mãe”, conta.

Cardiopata, a mãe de Eliana chegou a passar por uma grave intercorrência, inclusive, levando-a para um longo período de internação em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).

“A partir daí, eu mudei completamente. Acredito que a influência veio de um histórico de doenças, a presença em um ambiente de cuidados. Indiretamente, isso me despertou o interesse de fazer a diferença na vida das pessoas. Fiz, então, Medicina na Ufes e passei”.

Decidida a seguir seu novo chamado, Eliana embarcou em uma jornada desafiadora de muitos estudos para se tornar médica.

 

A vocação pela medicina

A ligação com os pacientes mais graves surgiu no terceiro ano de faculdade, quando participou de um processo seletivo para fazer um estágio como plantonista na UTI.  “Eu amava as reuniões científicas. Ajudava a aplicar provas. Nunca mais saí da UTI”, lembra.

Assim que concluiu a primeira etapa da faculdade, e após dois anos de residência em clínica médica, sentia que precisava se especializar mais. O desejo pelo conhecimento era cada vez maior. Formada, logo ingressou como plantonista no Hospital das Clínicas, em Vitória.

Fez doutorado no Incor de São Paulo, na área de pneumologia. Conhecimentos que, anos mais tarde, fariam a diferença com a chegada da pandemia provocada pela covid-19.

Em 1993, aproximadamente 10 anos depois de formada, tornou-se professora na Ufes, de urgência e emergência, onde segue até hoje.

Medicina intensiva

Eliana destaca que ser médico intensivista é algo desafiador. É preciso saber lidar com enormes cargas de pressão. “Não é qualquer médico que tem perfil para atuar no setor. É uma dimensão diferente: do paciente, da família, da nossa saúde mental e da nossa família também. É um ambiente de muitas tristezas, de pacientes graves. Nós temos que estar preparados”, relata.

A especialidade ganhou ainda mais notoriedade durante a pandemia, a partir de 2020. Segundo a médica, foi um divisor de águas para milhares de profissionais da área da saúde.

Em 1995 Eliana passou a coordenar as UTis da Unimed no estado, onde permaneceu até pouco depois da pandemia. Vários fatos e acontecimentos marcaram a trajetória de médica, que é referência da área.

A unidade onde trabalhava era situada na Enseada do Suá, na Capital. Em 1998, cuidou da internação do iatista Lars Grael, que teve a perna decepada ao ser atropelado por uma lancha, pouco antes do início da regata da Taça Cidade de Vitória, na praia de Camburi.

Lembra também de quando a pandemia chegou ao Espírito Santo, os desafios de abrir inúmeras salas de tratamento intensivo e de coordenar as equipes. “Já estava acostumada a tratar quadros delicados de insuficiência respiratória. Pronar pacientes, fazer manobras específicas. O problema é que veio com muita gravidade e um volume enorme de pessoas doentes dando entrada no hospital ao mesmo tempo”.

Para a médica, lidar com a pandemia era algo desafiador. “Foi um marco na minha vida. Mudar, transformar processos, tive que treinar muitos profissionais. Eu, na época, dava plantão. Precisava ficar circulando em todas as UTIs que precisavam ser abertas. Fui suporte. Mais que isso: tive a certeza de que o trabalho em equipe funciona muito. Amo trabalho em equipe”.

A profissional acredita que executar o básico bem feito fez toda a diferença na época. “Teve um dia que fiquei com 50 pacientes entubados. Vi amigos e colegas naquela situação. A gente tem a informação, vocês veem TV, leem tudo para ter conhecimento. Quando a gente vai evoluindo com a experiência profissional a gente ganha sabedoria”.

Sexo frágil? Nada disso!

Na última sexta-feira, 8 de março, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher e Eliana fala sobre os desafios que ainda existem.

“Deixamos de ser sinônimo de sexo frágil e somos fortaleza, liderança, gestão e competência. Acho que nós fomos penalizadas muitos anos. Com a questão salarial, inclusive. Os homens ainda ganham mais, mas as oportunidades devem ser iguais. Porém, sem protecionismo. Tem que ser por mérito mesmo”, pontua.

“Além disso, a mulher é força de trabalho, mas lembramos que temos o chamado terceiro turno. Olha só isso. Falei até agora da minha trajetória no meu trabalho sem mencionar na rotina da minha casa, nos cuidados com a minha família”.

Ano novo, novos desafios

O ano de 2024 começou com mudanças na rotina da médica, que já não está entre os respiradores, sondas, cateteres, ventiladores pulmonares e desfibriladores. Agora, está a frente de outro departamento.

“Iniciei esse ano (2024) com um novo desafio e estou amando. Meu trabalho agora é direto com a qualidade de segurança dos pacientes. Me tornei médica gestora de segurança. Ajudo a prevenir eventos e intercorrências. É um trabalho incrível”, afirma.

Sobre ser mulher e profissional, Eliana deixa um recado. ” Me sinto feliz com a minha trajetória. Sou bem resolvida. Quando nós, mulheres, ocupamos cargos de gerência, chefia, algumas pessoas costumam nos estigmatizar como brava. Infelizmente, quando falamos o que pensamos, somos firmes com nossas conclusões, isso vira problema. Confundem com ‘ser brava’. Não é bem assim. É importante lembrar que o contraditório faz parte da liderança”, conclui.

Profissional respeitada, Eliana encoraja outros a seguirem seus sonhos, não importa quão desafiadores possam parecer. “Nunca é tarde para abraçar sua verdadeira vocação e fazer a diferença no mundo.”

Resiliência, determinação e amor pela profissão. A história de Eliana é exemplo de coragem. Superação em meio às dores, às fragilidades e adversidades que ecoa não apenas nos corredores do hospital, mas também entre aqueles que tiveram, e tem,  o privilégio de conhecê-la.

 


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