A presidência das Assembleias Legislativas nas Constituições estaduais

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Durante o biênio 2015/2016, tive a honra de presidir a Assembleia Legislativa de São Paulo. O mandato de presidente da Assembleia é renovado a cada dois anos, assim como nas Câmaras Municipais, Câmara dos Deputados e Senado Federal. A escolha se dá por votação interna, aberta ou secreta, a depender do regimento interno da respectiva Casa.

No que tange ao Legislativo federal, preceitua o artigo 57, § 4º da Constituição Federal que: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandado de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Em que pese o Texto Constitucional ser claro, até pouco tempo discutia-se a tese de que o § 4º do artigo 57 da CF teria sido derrogado pela Emenda Constitucional nº 16/97, a qual passou a permitir a reeleição para cargos do Poder Executivo. Desta forma, independentemente de ter ocorrido na mesma legislatura, estaria o parlamentar apto a ser reconduzido ao cargo de presidente da Casa por uma única vez.

Argumentava-se que, como a referida emenda constitucional passou a autorizar a reeleição para presidente da República, tal fato teria promovido uma mudança estrutural em todo o sistema eleitoral, por meio do fenômeno da mutação constitucional, de modo a repercutir também na reeleição dos parlamentares para as Mesas Diretoras. Tal entendimento, todavia, não prevaleceu no STF quando do julgamento da ADI 6.524/20, ocasião em que foram traçados os estritos limites para a recondução de parlamentares à presidência das Casas Legislativas: “Não é possível a recondução dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura. Por outro lado, é possível a reeleição dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em caso de nova legislatura” [1].

Entende-se por legislatura o período de quatro anos que coincide com o mandato de deputados federais, estaduais e vereadores. Por ser o mandato dos senadores de oito anos, tal período corresponderá a duas legislaturas. Deste modo, no ano passado findou-se a legislatura 2019/2022 e este ano teve início a de 2023/2026. Como exemplo, vale lembrar as últimas eleições da Câmara Federal e do Senado, nas quais Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, que já presidiam as mesas de suas Casas e foram reconduzidos ao cargo. A reeleição é vedada apenas dentro da mesma legislatura, de maneira que, com o início da nova legislatura iniciada em 2023, não incide a regra proibitiva da reeleição. Assim, os mandatos de presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal terminarão em fevereiro de 2025, sem direito à reeleição consecutiva nessa mesma legislatura.

O entendimento vedando a reeleição dentro da mesma legislatura sempre foi majoritário, tanto na doutrina quanto na jurisprudência: “A cláusula proibitória constitucional limita-se a proibir a recondução na mesma legislatura. Um deputado, para iniciar sua segunda legislatura, tem de reeleger-se, o que implica obter um mandato novo. Se se fosse dar tratamento diferente para os reeleitos, estar-se-ia discriminando, sem legitimidade alguma, entre novos e velhos deputados. Cada eleição, portanto, gera um novo direito de ocupar cargo na Mesa, por uma legislatura. É o que expressamente dispõe o regimento interno da Câmara dos Deputados (parágrafo 1º do art. 5º) — Não se considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas. O mesmo, no fundo, ocorre com o Senado, com a única diferença de que aqui o mandato já traz o direito de ocupar a segunda legislatura, e o surgimento desta faz ressurgir seu direito de ser regulado pelo parágrafo 4º, do que advém o direito a novo cargo na Mesa, esteja o senador em primeira ou segunda legislatura” [2].

Pacificada a questão em âmbito federal, remanescia a controvérsia nas Constituições Estaduais. Os estados do Espírito Santo, Tocantins e Sergipe ainda permitiam a reeleição na mesma legislatura, para os cargos da Mesa Diretora de suas respectivas Assembleias. Aludindo ao teor do julgamento do STF na ADI 6.524, foram propostas as ADIs 6.684/ES, 6.707/ES, 6.709/TO e 6.710/SE, as quais pugnaram pela exclusão desses dispositivos nas mencionadas Constituições Estaduais.

Ao analisar a questão, o ministro Gilmar Mendes ponderou que o § 4º, do artigo 57 da Constituição Federal não é norma de reprodução obrigatória e não se aplica, necessariamente, às eleições das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas, conferindo às Constituições Estaduais relativa autonomia. Desse modo, não seria possível aplicar às Assembleias Legislativa o que foi decidido pelo STF na ADI 6.524 e, com base nisso, aventar a inconstitucionalidade das normas estaduais que permitem a reeleição nas Mesas Diretoras dentro da mesma legislatura.

Por não ser norma de reprodução obrigatória, o § 4º do artigo 57 da CF não pode servir como paradigma de constitucionalidade das Constituições Estaduais, devendo o intérprete buscar outras fontes de verificação de sua compatibilidade em relação à Carta Magna. Por não estar expressamente previsto na Constituição Federal, subentende-se que deve ser utilizado o critério objetivo da reeleição do chefe do Poder Executivo, consagrado na EC 16/97, definindo-se como constitucional uma recondução sucessiva, independentemente da legislatura. “É permitida apenas uma reeleição (ou recondução) sucessiva ao mesmo cargo da Mesa Diretora de Assembleia Legislativa estadual, independentemente de os mandatos consecutivos se referirem à mesma legislatura” [3].

Foi com base nisso que o Plenário do STF, por maioria de votos, em julgamento conjunto das referidas ações diretas de inconstitucionalidade, acabou por conferir interpretação conforme a Constituição Federal, mantendo os dispositivos das Constituições Estaduais do Espírito Santo, Tocantins e Sergipe, permitindo a recondução sucessiva no mesmo mandato para toda a Mesa Diretora.

Ao vedar a recondução dos dirigentes das Mesas do Congresso Nacional na eleição imediatamente subsequente, não quis o constituinte vincular tal decisão ao funcionamento das Assembleias Legislativas, conferindo autonomia aos Poderes Legislativos estaduais para admitir a recondução da Mesa Diretora na mesma legislatura, com a única restrição de somente ser possível uma única vez. Assim, decidiu o ministro Luiz Roberto Barroso: “Constituições Estaduais podem prever a reeleição de membros das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas para mandatos consecutivos, mas essa recondução é limitada a uma única vez”.

Conclui-se que a exigência de legislatura distinta para a reeleição da Mesa Diretora, a qual está prevista na CF, artigo 57, § 4º, não se aplica às Assembleias Legislativas, as quais podem dispor de modo diverso, com a observação de que não sejam criados mecanismos que perpetuem o parlamentar na condução da Casa. A autonomia estadual existe, mas não de modo absoluto, sob pena de afrontar o princípio republicano que exige alternância no poder e temporariedade dos mandatos.

 

Fernando Capez, procurador de Justiça do MP-SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.

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