A nova Guaçuí

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Era para ser o fim de uma zelosa e dedicada carreira militar, à época, com quase 27 anos de serviço em prol da sociedade, tudo parecia ter chegado ao fim. Muitos asseguravam isso!

Em uma bela tarde primaveril, quando embarcava para palestrar no “Congresso de Polícia Comunitária”, em Salvador (BA), tomei conhecimento, de modo surpresante, de que havia sido, caladamente, transferido para a longínqua terra do “Contestado”.

O lugar para o qual eu havia sido designado, por inédito decreto, além de distante, era indesejado por muitos de meus pares, em especial por mim.

Estupefatos me diziam alguns colegas de farda: “você vai encerrar os seus dias na Sibéria”.

Os sonhos de outrora tornavam-se em pesadelos. A esperança desvanecia, depois de tantos projetos empreendidos e de exitosos resultados alcançados para a PMES, cujo destaque inegável se deu na geograficamente oposta cidade de Guaçuí, berço da Polícia Interativa no Brasil.

Naquele momento o mundo girava e minha cabeça também. Indignação e tristeza rondaram-me, silenciosamente. Era preciso ter forças indômitas para reagir e ser altaneiro.

Enfim, chegava a hora de conhecer o lugar para o qual recebera a incumbência em comandar. A mesma terra em que meu pai, estivera nas trincheiras da resistência e defesa da integridade territorial espírito-santense, 50 anos antes, durante a questão lindeira com Minas Gerais.

Lá se instalara por “sui generis” circunstância, na segunda metade do século XX, o Comando Geral da PMES. O coronel Pedro Maia de Carvalho tomou essa decisão com ousadia e coragem.

Assim, chegou o dia. Enquanto seguíamos de carro, “outros algozes estrelados”, alegremente, em “céu de brigadeiro”, voavam em aeronave palaciana para presidir a nossa posse no Comando do 11º BPM.

Diante dos altos dignitários e de alguns amigos, sem público ou tropa formada, fomos empossados com a Bíblia, literalmente, perfilada no lugar da espada. A fé consoladora substituiria a injusta realidade.

O ritual de humilhação foi completo. Era a soberba empalhada de hierarquia e de autoridade, trajando a cinza roupa de Ortiz e alinhados ternos.

A “solenidade” foi rápida. Sem fotografias, sem discursos ou ordem do dia. A fisionomia de todos, principalmente dos verdugos, era tensa e não havia lugar para sorrisos, cumprimentos, nem tampouco reverência.

Acabado o “mise-en-scène“, os “vencedores” rumaram triunfantes pelos ares em direção à Capital. A missão deles como capatazes do poder estava cumprida.

Meu filho, ao ver-me pensativo, falou-me então: “Pai, essa é a hora de mostrar o seu valor. Pratique aqui a Polícia Interativa”. Sábio conselho!

Não me dei por vencido. Coloquei em prática o Método Interativo de Segurança Cidadã – MISC®, que tanto havia ensinado. Deu certo!

Contei desde o início com o estímulo dos oficiais e das praças e também de homens do quilate de Alair Costa de Sousa, presidente do Conselho Interativo de Segurança Pública local.

Assim, reuni a tropa, fui ao encontro da sociedade civil, do juiz de Direito, do Promotor de Justiça, do delegado de Polícia Civil, da Câmara Municipal, do Prefeito, dos Gestores Escolares, dos Pastores, dos Padres, dos militares da reserva que residiam na região do 11º BPM, e como não podia deixar de ser, da professora Marlídia Alves da Silva, autora do livro sobre a história da Cidade, a qual eu estudara detidamente.

Exatos 99 dias depois de nossa posse já tínhamos o Conselho Interativo atuando, todos os militares retreinados, a patrulha escolar em ação, duplas de policiamento a pé nas ruas, o quartel salubrizado, e ainda, semanalmente, o Programa radiofônico “Linha aberta com a comunidade”, sempre ao vivo.

Tornei-me cidadão do lugar. A Câmara de Vereadores me concedera a cidadania em tempo recorde, 2 meses apenas.

As boas e alegres novas, mesmo sem “Instagram” e “WhatsApp”, eram “viralizadas”, chegando às redações dos jornais da Capital.

Diferentemente de quando assumimos o comando em 08 de agosto de 2008, autoridades e o povo nos saudaram em nossa despedida, meses depois, em emocionante solenidade militar, na antiga Avenida Manuel Vilar, hoje renomeada como prefeito Edson Henrique Pereira, com a presença da Banda de Música da PMES, ofertando-me um hino cristão que dizia: “sua vitória hoje tem sabor de mel”.

Para coroar nossa passagem pelo Comando do BPM, o então prefeito, Waldeles Cavalcante, em ostensiva homenagem à PMES, inaugurou, na hoje Praça Arlindo Pinto da Costa, o “Monumento aos Heróis do Contestado”.

Desse modo, os diferentes espectros políticos, religiosos e sociais, todos, marcharam unidos em prol da construção de dias melhores, na “Terra da Sentinela Capixaba”.

Assim, a brava Barra de São Francisco (ES) agora se tornara em “a nova Guaçuí” e o 11º BPM em primeiro dos primeiros.

Enfim, apenas 5 meses depois estávamos de volta ao QCG da PMES, em Vitória, agora promovido ao último posto do oficialato e, diga-se, sem pedir a ninguém, senão a Deus.

 

Júlio Cezar Costa, coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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