Diferenças entre os processos administrativo e judicial

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O processo é o instrumento pelo qual se busca a concretização de um direito. Nos autos do processo são anexadas provas, declarações, perícias e é dada a oportunidade das partes se manifestarem a respeito das alegações da parte ex adversa. Todavia, no âmbito administrativo, nas apurações que a própria Administração Pública faz das condutas dos administrados, os regramentos e formalidades exigidos no Poder Judiciário sofrem certa flexibilidade, dando ensejo, assim, no chamado processo administrativo.

Primeiramente, faz-se necessária a distinção entre “processo” e “procedimento”. Processo é o instrumento do exercício da função administrativa pela Administração Pública, consubstanciado no encarte das ações materiais ou jurídicas por ela cometidos, tais como: juntada de documento, tomada de decisão, execução de obra, celebração de contrato, edição de regulamentos, dentre outros.

Por sua vez, procedimento consiste no conjunto de formalidades exigidos para a prática de determinado ato administrativo. Poderíamos dizer que o procedimento equivale ao rito dos processos judiciais, consistente no encadeamento de atos formais que visam instruir o julgador na tomada de sua decisão.

Como é natural de quase todo processo, as partes buscarão a solução de um conflito, sendo que neste caso em específico, uma das partes será a Administração Pública, e a outra, o administrado. O diploma legal que regulamenta os processos administrativos é a Lei nº 9.784/99, que estabelece as normas sobre processo administrativo no âmbito federal, nos mostrando que os processos administrativos serão compostos, basicamente, por três fazes: instauração, instrução e decisão.

Instauração é o ato que dá início ao processo administrativo e pode ser realizado ex officio (quando a própria Administração Pública exerce o poder de Autoexecutoriedade — princípio da Oficialidade) ou mediante requerimento do interessado. Instrução é a fase reservada para a coleta de provas e manifestação das partes, respeitando-se o princípio do contraditório e da ampla defesa e o da vedação de utilização de provas ilícitas.

Por fim, decisão consiste em um dever legal estabelecido por lei para a Administração Pública solucione o conflito e aplique a legislação pertinente, concedendo-se prazo de até 30 dias para fazê-lo, salvo em caso de prorrogação motivada por igual período.

A doutrina nos mostra duas modalidades de processos administrativos: gracioso e contencioso. Nos processos administrativos de modalidade contenciosa, a decisão proferida em última instância faz coisa julgada e se reveste de imutabilidade. Por sua vez, a decisão administrativa dos processos de modalidade graciosa, mesmo que tomados em última instância, jamais fazem coisa julgada, sempre estando suscetíveis de reanalise pelo Poder Judiciário.

O artigo 5º, XXXV, CF, estabelece que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, ou seja, o cidadão, caso queira, sempre poderá buscar a revisão da decisão administrativa judicialmente. Por essa razão, diz-se que não há que se falar em processo administrativo contencioso no direito brasileiro, vez que as decisões tomadas pela administração nunca serão revestidas de imutabilidade, sendo cabível nova apreciação do fato na esfera judicial.

Além dos princípios trazidos no artigo 37, CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência); o artigo 2º, Lei nº 9.784/99, nos mostra que a, finalidade, informalidade, gratuidade, pluralidade de instâncias, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público, são os princípios norteadores do processo administrativo.

Publicidade consiste no amplo acesso dos cidadãos ao processo administrativo, desde que tenham algum interesse nos atos ali tratados ou que ajam na defesa de interesses da coletividade, em observância ao direito fundamental da informação, contido no artigo 5º, XXXIII, CF. Como não existe direito absoluto em nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso ao processo pode ser restringido em caso de preservação do interesse social, situação em que o sigilo das partes e atos ali averiguados deverá ser resguardado.

O princípio da oficialidade é o que mais diferencia o processo administrativo do processo judicial. É característica fundamental do Poder Judiciário a sua inércia, dependendo da manifestação da vontade do autor, consubstanciada na apresentação de uma peça inicial, para que o processo seja devidamente iniciado. Já no âmbito administrativo, em razão da oficialidade, o processo poderá ser instaurado por iniciativa de uma das partes, a própria Administração Pública.

A instauração do processo se dá independentemente da provocação do administrado e os atos que impulsionam o feito marcha adiante também são da própria Administração Pública. O artigo 2º, XII, L. 9784/99, nos diz que a: “impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados”. De igual forma, o art. 5º da referida lei afirma que o processo administrativo poderá ter início de ofício ou mediante pedido da parte interessada.

O princípio da informalidade, informalismo ou obediência à forma e aos procedimentos nos mostra uma maior flexibilidade da realização dos atos procedimentais na esfera administrativa. Importante ressaltar que o fato do processo administrativo ser dotado de maior flexibilidade em seus atos, não importa em sua completa ausência de formas e prazos. No processo administrativo há forma e procedimento para a parte se manifestar; todavia, não se exige a rigidez dos feitos da esfera judicial.

A formalidade dos atos procedimentais é uma garantia para as partes de que as decisões serão adotadas nos termos da lei, e não por mera liberalidade do julgador. Desta forma, as partes, municiadas de defesa técnica, já saberão previamente como e quando se manifestarem, à título de preclusão ou nulidade em caso de inobservância da regra. Porém, na esfera administrativa, onde o processo se inicia pela iniciativa de uma das partes (Administração Pública) e termina com uma decisão dentro do próprio órgão, o excesso de formalidade, além de causar demora desnecessária para a solução do conflito, pode trazer gravame para a outra parte.

Como já dito anteriormente, por falarmos em um processo administrativo de modalidade graciosa, as decisões administrativas não formam coisa julgada e sempre poderão ser revistas pelo Poder Judiciário. Por essa razão, quanto mais célere for a tramitação do feito perante os órgãos administrativos, mais rápida será a busca da tutela jurisdicional pelo administrado, caso assim o queira.

Mesmo sendo informal, o princípio do contraditório e da ampla defesa deve ser observado, vez que constitui garantia fundamental do cidadão, conforme artigo 5º, LV, CF: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O contraditório é a possibilidade dada à outra parte de se manifestar contra os atos a ela imputados. Obviamente que não são todos os atos procedimentais que devem ser contraditados, posto que muitos deles são de mero expediente e servem apenas para mover o feito. Contudo, sempre que encartada alguma prova, perícia, análise ou novo fato, a outra parte deverá se manifestar.

Ampla defesa consiste na utilização de todos os meios não defesos em lei que sirva de elemento para a formação da convicção do julgador. Por isso, sempre que possível, poderá a parte apresentar perícias, pareceres técnicos, testemunhas, documentos, ou qualquer outro meio hábil que demonstre a verossimilhança de suas alegações.

O princípio da pluralidade de instâncias está vinculado ao poder de autotutela da Administração Pública. Assim como o poder de Autoexecutoriedade permite que a Administração dê início ao processo de ofício, independentemente da vontade do interessado; a autotutela autoriza que a Administração revise seus próprios atos em caso de ilegalidade ou inconveniência. Desta forma, poderá a parte apresentar recurso para que a decisão proferida pelo julgador seja revista pelo superior hierárquico.

Importante dizer que em função da informalidade do processo administrativo, não ocorre a preclusão consumativa, podendo a parte, em seu recurso, apresentar fato novo que não foi arguido para o primeiro julgador; protestar pela produção de novas provas e requerer o reexame de matérias de fato.

Outro ponto que merece destaque na distinção do processo administrativo com o judicial é a sua gratuidade. Para que seja iniciado o processo no Poder Judiciário, faz-se necessário o pagamento de todas as taxas e custas processuais, excetuando-se os casos em que tal pagamento acarrete na impossibilidade do sustento do autor (artigo 1º, Lei nº 1.060/50).

Agora, como a Administração Pública é uma das partes do processo administrativo, não há justificativa para sua onerosidade. É por essa razão que o artigo 2º, parágrafo único, XI, da Lei nº 9.784/99 veda a “cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei”.

 

 

Fernando Capez, procurador de Justiça do MP-SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.

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