Mudou de vida, não de profissão
Obrigado a vir à Vitória (ES), o esguio e sisudo sargento, portando no cinto um aparente revólver com cabo de madrepérola, não dava indícios de que tornar-se-ia em um problema para o chefe da comitiva da Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP.
Em parceria com a Escola de Serviço Público – ESESP, a PMES criara, em 1997, o pioneiro Curso de Formação de Multiplicadores em Polícia Interativa, oferecendo vagas para as congêneres no país.
Era um momento sem igual, pois pela primeira vez o Estado, através da PMES, irradiava o seu conhecimento experimentado com genuíno método de interatividade social, em Guaçuí (ES).
À época, 20 estados da Federação mostraram interesse em enviar representantes para frequentarem o Curso que prometia ser grandemente inovador.
Na 1ª turma, o destaque era a participação da PMESP com o envio de um oficial e dois sargentos. Os demais estados participariam com pequenas comitivas, exceto Sergipe e Bahia que enviaram todos os seus comandantes de batalhões e companhias independentes.
Constava do projeto pedagógico que os militares-alunos, em decorrência das dinâmicas a serem aplicadas nas aulas, deveriam, se armados, deixarem a arma no cofre disponibilizado pela coordenação do curso.
Eis então que surge um impasse. O coordenador ao repassar as diretrizes do curso recebeu inopinada demanda: “capitão, sem a minha arma não posso frequentar o curso. Ela é meu instrumento de trabalho”, insistia um sargento-aluno paulista.
Era perigoso e não recomendado permitir o uso de arma em sala de aula. Não seria aberta exceção.
O capitão chefe da comitiva de São Paulo foi comunicado sobre a decisão da coordenação e, em poucos minutos, tudo estaria resolvido sem que soubéssemos o que foi dito ou acordado entre os silentes paulistas.
As aulas começaram e os semblantes não eram os melhores. Estava evidente o descontentamento do sargento-aluno em permanecer desarmado na sala de aula.
Veio o segundo, o terceiro e os demais dias. O curso em horário integral e por imersão agradava aos participantes e a “sisudez” começava a desanuviar-se.
Integrados, os alunos dos diversos estados envolviam-se com ótimos questionamentos sobre como tornar-se um “policial interativo”.
Nas aulas os professores não vendiam sonhos. As situações eram expostas à luz da realidade dos fatos, mostrando que toda mudança sempre é perigosa e de efeito duvidoso.
O tempo voou e no último dia de curso restavam sorrisos, aplausos, abraços e despedidas cordiais. As delegações estaduais davam testemunho de que iriam multiplicar o que haviam aprendido sobre segurança cidadã e interatividade social.
No entanto, ainda estava no ar qual teria sido o motivo do sargento paulista ter resistido a orientação para não portar seu adornado revólver?
Essa indagação somente seria respondida quatro anos depois, quando lendo na revista “Época” a matéria intitulada “Um guarda camarada” descobrimos que em 1997, no Jardim Ângela, bairro da capital de São Paulo, um “PM detestado por cometer atos de violência e por ter 15 mortes em seu prontuário, fora enviado a Vitória, no Espírito Santo, voltando para São Paulo, completamente mudado, após frequentar o curso de Polícia Interativa”.
David Monteiro da Conceição era o sargento-aluno que por “óbvios motivos” não queria ficar sem o seu revólver.
Felizmente, David transformou-se e levou consigo a nova forma para resolver velhos problemas, aplicando-a com sucesso no “lugar mais violento do mundo”, como era conhecido o Jardim Ângela na cidade de São Paulo.
Por fim, Jardim Ângela e o seu “guarda camarada” viraram a página, revertendo, com a ajuda da comunidade, inclusive a religiosa, as manchetes com cenas cotidianas de violência, passando à nova posição de serem, ambos, “top cases“, premiados até em Londres.
Assim, o sargento David mudou de vida, mas não de profissão.