1 em cada 3 crianças acima do peso: o que está por trás da explosão do excesso de peso e obesidade infantil no Brasil

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Estudo recém-publicado revela que excesso de peso se tornou um problema ainda mais grave entre meninos e meninas de 5 a 10 anos nos últimos anos. Entenda o que explica o fenômeno — e quais são as saídas para resolvê-lo.

Layla Hassan tomou um susto quando percebeu que sua filha Laiza da Silva ganhou 20 quilos em apenas um ano.

À época, a menina tinha 6 anos — e a junção do histórico familiar com as observações do dia a dia da família acionaram um sinal de alerta na mãe.

“Entre meus parentes, todo mundo tem problema de sobrepeso, diabetes, colesterol… Isso é algo que sempre me preocupou”, relata Layla, que mora na cidade de Matinhos, no litoral paranaense.

 

“Também passei a observar que a Laiza não conseguia acompanhar os amiguinhos na escola. Ela corria um pouco e já ficava cansada. Ela sempre precisava deixar os exercícios e as brincadeiras, não tinha a mesma rapidez dos colegas… Em casa, preferia ficar no tablet, deitada”, relata a mãe.

“E ganhar 20 quilos em apenas um ano é muita coisa para uma criança pequena”, constata ela.

 

Hoje, Laiza está prestes a completar nove anos, e a vida da família passou por uma grande transformação. Alguns hábitos antigos saíram de cena e foram substituídos por outros.

“Não fizemos nada radical. Percebemos que não adiantava proibir algumas coisas, porque isso gerava uma vontade ainda maior nela”, diz Layla.

Um exemplo disso foi o refrigerante: a família passou a restringir o consumo e comprar versões zero açúcar. “Hoje em dia, ela criou um hábito novo e até estranha quando vai na casa de alguém que oferece uma bebida açucarada.”

Laiza também começou a praticar mais atividade física e realiza aulas de treinamento funcional duas vezes por semana.

O resultado da transformação apareceu rapidamente na balança. Desde que a família mudou o estilo de vida, a menina perdeu seis quilos e agora está conseguindo manter o peso — algo considerado positivo, uma vez que ela está em fase de crescimento.

“Fico feliz por vê-la correr e estar mais ativa”, comemora a mãe.

 

“Claro que, como pais, nós temos muito a melhorar ainda e nos cobramos bastante sobre isso. Muitas vezes, chegamos do trabalho cansados e, pela facilidade, compramos um lanche ou uma pizza”, admite a mãe.

“Os pais devem observar os filhos e não esperar que eles engordem muito para só aí procurar ajuda médica”, sugere ela.

 

A história de Laiza está longe de ser única no Brasil e no mundo. As taxas de excesso de peso e obesidade entre os menores de idade crescem numa velocidade que impressiona os especialistas.

E um estudo publicado em abril no The Lancet Regional Health – Americas conseguiu capturar como esse fenômeno ganha terreno em nosso país.

Nele, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e da Universidade College London, no Reino Unido, avaliaram uma enorme quantidade de dados provenientes de três registros públicos: o Cadastro Único do Governo Federal, o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional.

A partir desses registros, eles conseguiram compilar informações de 5,7 milhões de crianças brasileiras de 3 a 10 anos, que nasceram entre 2001 e 2014.

“Esse é um número sem precedentes”, destaca o pesquisador Gustavo Velásquez Meléndez, professor titular da Escola de Enfermagem da UFMG e um dos autores da pesquisa.

Em resumo, o levantamento traz duas conclusões principais. A primeira é que as crianças brasileiras estão mais altas: aquelas que nasceram entre 2008 e 2014 têm 1 centímetro a mais, em média, em relação ao grupo que veio ao mundo entre 2001 e 2007.

Mas o dado que chama a atenção vem na sequência: uma parcela cada vez maior desse público está acima do peso.

Ao analisar o Índice de Massa Corporal (IMC), os autores descobriram que 30% dos meninos e 26,6% das meninas que nasceram entre 2008 e 2014 estão com excesso de peso ou obesidade.

Vale lembrar aqui que o IMC é uma conta matemática que considera o peso (em quilos) dividido pela altura (em metros) elevada ao quadrado. O resultado dessa equação indica se o indivíduo está abaixo, dentro ou acima do peso.

Anteriormente, entre aqueles que são de 2001 a 2007, essas taxas de sobrepeso estavam em 26,8% e 23,9%, respectivamente.

Em outras palavras, os índices recém-publicados revelam que um em cada três meninos e uma em cada quatro meninas estão longe dos parâmetros considerados saudáveis para as idades deles.

Inquéritos realizados no final dos anos 1980 e 1990 sugeriam que o sobrepeso infantil afetava ao redor de 5% das crianças brasileiras da época.

“A grandeza desses números chama a atenção, ainda mais por estarmos falando de uma população de baixa renda”, analisa Meléndez.

 

Os bancos de dados usados na investigação têm um enfoque maior nos mais pobres, que são candidatos a programas como o Bolsa Família.

“A obesidade pode se tornar um problema ainda maior num contexto de desigualdade social, em que os mais afetados não terão acesso aos recursos necessários para lidar com a condição, como uma dieta saudável ou tratamentos adequados”, complementa ele.

 

“Esse artigo publicado no The Lancet representa a junção de dados que já foram observados em outros trabalhos feitos no Brasil e no mundo nos últimos 30 anos, e reforçam a tendência de aumento da obesidade”, comenta o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, coordenador do coordenador do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi, em São Paulo.

“Esse aumento do excesso de peso ocorre numa idade cada vez mais precoce, de forma intensa e prolongada”, diz o especialista, que não esteve envolvido no estudo citado acima.

 


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